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Foto: Alvaro del Campo / The Chicago Field Museum
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O Peru começou a estabelecer unidades de conservação muito mais tarde que o Brasil mas, a partir de 1961, vem recuperando rapidamente o tempo perdido. A última joia da coroa dos parques nacionais peruanos, Yaguas, foi estabelecida no dia 10 de janeiro deste ano, no Departamento Amazônico de Loreto. Com seus 868.928 hectares, somadas às áreas já existentes, preserva 21% da biodiversidade da Amazônia do país vizinho.
Já parecia improvável que se estabeleceriam mais parques nacionais no Peru. Com efeito, a luta contra os interesses de petroleiros, madeireiros, agricultores, mineradores e também de indígenas, todos defendidos por seus respectivos grupos políticos, foi muito dura e longa para conseguir a criação dos dois últimos grandes parques da atual década. Os parques nacionais Gueppi-Sekimé e Serra do Divisor foram aprovados pelo anterior governo, se convertendo nos sucessos mais transcendentes da gestão de Manuel Pulgar Vidal, ex-ministro do meio ambiente. Por isso, a movimentação em favor de Yaguas parecia antecipadamente condenada ao fracasso. Não foi.
O território de Yaguas tem sido parte do espaço tradicional de diversos grupos nativos da Região do Putumayo, na região fronteiriça entre a Colômbia e o Peru. Do lado peruano, esses indígenas estão representados por várias comunidades nativas assentadas no Rio Putumayo e duas no Rio Yaguas. Essas comunidades pertencem aos grupos étnicos Quichua, Bora, Ticuna, Huitoto e Yagua. Estes últimos deram nome ao novo parque.
“O território de Yaguas tem sido parte do espaço tradicional de diversos grupos nativos da Região do Putumayo, na região fronteiriça entre a Colômbia e o Peru”.
Aparentemente, a proposta de se criar um parque em Yaguas foi dos próprios indígenas, que consideram esse território sagrado e se preocupavam com prejuízos ocasionados pela extração ilegal de madeira, a caça e, mais recentemente, pelas dragas dos garimpeiros que já penetraram no Rio Yaguas. Desde que propuseram considerar parte desse espaço como área protegida, todos os grupos foram cuidadosamente contatados e, por isso, acompanharam o processo de perto.
O vale do Yaguas passou a ser bem mais conhecido graças a estudos realizados em 2010 por especialistas do Chicago Field Museum of Natural History, logo complementados pelo Instituto do Bem Comum (IBC), a Sociedade Zoológica de Frankfurt e o Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (SERNANP), dentre outros. Eles concluíram que em Yaguas se encontra a maior diversidade de peixes locais e migratórios de água doce já registrada no país, com 337 espécies, ou seja, sete vezes mais que no Parque Nacional do Manu, onde as pesquisas se estenderam por várias décadas. Nos primeiros inventários, registraram 393 aves, mas, agora, estimam que existam umas 500 espécies. Inicialmente, acharam 128 anfíbios e répteis e, agora, reconhecem 110 espécies de anfíbios e 100 de répteis. Os mamíferos registrados já somam 160 espécies. E de 948 espécies de plantas inicialmente inventariadas, agora estimam a presença de mais de 3 mil espécies.
Em Yaguas se encontra a maior diversidade de peixes locais e migratórios de água doce já registrada no Peru. Foto: Frankfurt Zoological Society.
O processo para o reconhecimento de Yaguas como unidade de conservação começou formalmente em 2011, quando se demarcou uma zona reservada -- uma categoria provisória -- e se instalou uma comissão de categorização, formada pelo mencionado Sernanp, todas as comunidades nativas, o governo regional de Loreto, as municipalidades afetadas e o Ministério de Agricultura. O trabalho desta comissão andou pouco devido à dificuldade de costurar um acordo que concilie os múltiplos interesses conflitivos. Mas foi reativada em 2016. Na ocasião, também foi decidido incorporar outros membros: o Ministério de Energia e Minas, a Marinha de Guerra, o Serviço Florestal e de Fauna Silvestre e, as Federações de comunidades nativas de Ampiyacu, Bajo Putumayo e da Frontera Putumayo. No processo de consulta prévia, participaram ativamente 29 comunidades nativas, das quais 23 se expressaram claramente a favor do futuro parque. Muitos estudos se realizaram em conjunto com a população local dos arredores da área escolhida para determinar a viabilidade social e econômica, a categoria de manejo mais adequada e seu impacto como sumidouro de carbono, pois, no local, existe uma turfeira de grandes proporções. O Ministério da Cultura, assim como a Defensoria do Povo, supervisionaram o processo e aprovaram as decisões. Como acontece com frequência, após a decisão, uma pouco conhecida organização pretende agora desconsiderar o acordo que participaram e no qual não foram maioria dentre os seus pares. É de se supor que essa manobra não prospere.
O parque é considerado muito valioso em termos ecológicos, pois ele permite viabilizar um corredor biológico contínuo de bosques que facilita o fluxo genético na bacia do Putumayo, desde os parques Rio Puré, Cahuinari e Amacayacu, na Colômbia, até as áreas de conservação regional Maijuna Kichwa e Ampiyacu Apayacu, no Peru.
“Como acontece com frequência, após a decisão, uma pouco conhecida organização pretende agora desconsiderar o acordo que participaram e no qual não foram maioria dentre os seus pares. É de se supor que essa manobra não prospere”.
Com esta nova unidade de conservação, o Peru reúne 76 áreas protegidas públicas nacionais sobre 19,5 milhões de hectares. Incluindo as de caráter regional e particular, somam 22,6 milhões de hectares. Pensando apenas da Amazônia, existem quase 15 milhões de hectares protegidos, ou seja, o 20,7% da região está submetido a manejo conservacionista. Nessa região, existem 13 parques nacionais, a categoria mais importante. Os maiores são Purus (2,5 milhões de hectares), Manu (1,7 milhões de hectares), Serra do Divisor e Cordilheira Azul (ambos com 1,4 milhões de hectares), Bahuaja Sonene (1, 1 milhões de hectares) e, agora, Yaguas. A maior, na categoria de reserva nacional, é Pacaya-Samiria, com 2,1 milhões de hectares. Ou seja, o Peru tem recuperado bem o tempo perdido.
Até o presente momento, o país tem evitado entrar na espiral do “PADD” (Protected area downgrading, downsizing and degazettement), a saber, redução, degradação ou eliminação de unidades de conservação, uma tendência que no Brasil já é importante e faz muito dano, especialmente no nível estadual. Mas as modas são contagiosas e todo cuidado é pouco.
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É possível dar ordem ao caos.
Pense verde, o planeta azul agradece.
Abraços, sempre!!!...
Mu®illo diM@tto♪
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